08/07/15

Prizren


De uma sangrenta guerra de insurreição no final da década de 90, surgiu um pequeno estado que até então era uma província Sérvia - à data, um dos estados que conjuntamente com o Montenegro formavam a República Federal da Jugoslávia.

A verde os países que reconhecem a independência do Kosovo

Este estado com menos de 2 milhões de habitantes e cuja "criação" teve origem no êxodo albanês durante a ditadura e no posterior contrabando de armamento desse mesmo país para a região de forma a armar o "KLA" - o autodenominado "Exército de Libertação do Kosovo", só viria a declarar a sua independência em Fevereiro de 2008. Apesar de esta ser reconhecida por 108 estados da ONU, a Sérvia continua a reclamar a soberania sobre este território, que considera o berço da sua própria nação. A União Europeia não reconhece oficialmente o mesmo mas sem a intervenção desproporcionada do seu "tentáculo" militar, a NATO, a história provavelmente não teria seguido certamente este rumo.

Quando planeamos esta viagem tínhamos em mente conhecer a Albânia, país onde tínhamos estado de passagem e que nos tinha deixado curiosos por parecer significativamente diferente dos restantes países dos Balcãs de influência eslava. Ao delinear o trajecto a seguir, rapidamente nos apercebemos que o melhor percurso por estrada até à região de Valbona nos alpes albaneses era precisamente através do Kosovo. Assim, decidimos aproveitar para conhecer um pouco deste "país", o único dos balcãs onde ainda não tínhamos posto o pé.



Antes avançar, um breve parágrafo sobre como lá chegamos: compramos voos da Ryan Air até Milão e daí tínhamos ligação numa "low cost" italiana, denominada Blue Panorama, até Tirana. Aí alugamos um carro e fizemo-nos à estrada. Seguimos pela SH1/E762 até apanharmos a estrada nova que liga a Albânia ao Kosovo em Fushë-Milot. Grande parte da mesma é auto-estrada (na realidade a única verdadeira auto-estrada pelos padrões europeus na Albânia) e foi a melhor estrada que encontramos em toda a Albânia. Após um belíssimo mas longo passeio através de montes e lagos quase desertos de sinais de existência humana, chegamos finalmente à fronteira. Poucos kms depois, chegamos a Prizren.

Em 1877, já num período de declínio do Império Otomano, foi criada as Liga de Prizren (ou Liga pela Defesa dos Direitos da Nação Albanesa). Inicialmente o objectivo da mesma era proteger a integridade cultural e territorial do império Otomano nos Balcãs mas esta posição mudou radicalmente, reivindicando maior autonomia e por fim a independência Albanesa. Assim, a cidade assume um lugar central no nacionalismo Albanês e no seu objectivo último, por cumprir, da "Grande Albânia".

Posto isto, a primeira impressão deste "estado" não podia ser mais esclarecedora: praticamente não há bandeiras do "Kosovo" mas sim bandeiras da Albânia; de igual modo, os souvenirs (desde t-shirts a canecas) apresentam geralmente a bandeira albanesa ou o mapa da Grande Albânia, com os fundadores da Liga de Prizren em destaque. De facto a sensação é a de estarmos numa província ou protectorado albanês e não num país propriamente independente ou com uma identidade própria, embora arquitetonicamente pareça uma cidade eslava com resquícios otomanos dos balcãs (vêm-me à cabeça Skopje ou Sarajevo em miniatura). Independentemente de tudo isto, Prizren é uma cidade bonita e agradável, com habitantes simpáticos e prestáveis.








Instalamo-nos no Hotel Centrum, de localização central como indica o nome, e começamos a explorar a cidade a pé. Os nossos primeiros passos levaram-nos à praça central - que fervilhava de gente em pleno Sábado e final de ano lectivo - e daí a uma das várias pontes sobre o rio Bistrica. Após um breve reconhecimento da outra margem recolhemos ao "Te Syla", restaurante especializado em grelhados tradicionais de carne picada. A ementa é relativamente extensa mas acaba por ser redundante pois o que apresenta são essencialmente múltiplos pratos de carne picada com diferentes formatos e temperos. Os que têm mais saída são os Kebap (iguais aos Cevapci da Sérvia e restantes países da ex-Jugoslávia) e a Pljeskavica (uma espécie de hambúrguer largo e espalmado), sendo que a última tem uma deliciosa versão recheada de queijo. A escolha de saladas é razoável (provamos a Shopska local e uma salada "picante" de pickles) e o pão fantástico (igual ao da Sérvia e "vizinhança"). Os preços, aqui e no resto do Kosovo, são extremamente convidativos: cerca de 3€ ou menos por prato, saladas de 1 a 2 €.

Pljeskavica com queijo
Após o almoço iniciamos então o percurso pelas principais atracções da cidade.


Começamos então pela margem sul do rio e afastamo-nos um pouco do centro para visitar uma das mesquitas mais afastadas do mesmo. Esta é uma zona mais pobre da cidade e a mesquita não escapa a este padrão. Acresce que os portões se encontravam fechados a cadeado pelo que não nos foi possível visitar o interior. Seguimos então para a Catedral Católica ("Catedral da Nossa Senhora do Socorro), mesmo ali ao lado, que se encontrava em obras no seu interior.


Prosseguimos até uma das principais ruas da cidade, desta feita para visitarmos a Catedral Ortodoxa de São Jorge - guardada por um polícia e onde é proibido fotografar e filmar. Finalmente pudemos entrar mas o interior da mesma não faz jus à sua beleza exterior: as paredes são brancas e largamente desprovidas de elementos decorativos.



Em frente à mesma, há um pequeno templo ortodoxo - a Capela de São Nicolau - que se encontra vedada a visitantes. Encontramos o portão aberto e descemos, para sermos rapidamente interceptados pelo supracitado polícia. Descobrimos mais tarde que esta foi vandalizada em 2004, assim com muitas outras igrejas por todo o Kosovo.



Com a aparentemente "problemática" ronda pelas igrejas concluída, seguimos novamente para a praça central - a Shadërvani - de forma a chegarmos à principal mesquita da cidade, que se destaca no horizonte: as Sinan Pasha. Esta foi construída no século XVII, em plena ocupação Otomana, e foi decretada "Monumento Cultural de Importância Excepcional" pela Sérvia em 1990.







Seguimos pela margem do rio até à porção mais central de um pequeno parque (que dá pelo nome de Marash), sem grandes atractivos para além de uma pequena mesquita. É acima de tudo um local para relaxar longe do sol.



Atravessamos mais uma das pontes da cidade e visitamos o complexo museológico da Liga de Prizren. O edifício principal - não o maior mas historicamente o mais importante por ter sido lá que os fundadores da liga se dirigiram à população - foi dos poucos bombardeados pelos Sérvios durante a guerra e foi reconstruído. Actualmente o rés-do-chão é onde se vendem os bilhetes para o museu etnográfico e o primeiro piso é onde se resume, com uma pitada de ultranacionalismo, a história da referida liga.







A visita ao museu em si é relativamente rápida e acompanhada de um guia bastante disponível mas que - talvez devido ao elevado número de visitantes nesse dia - apressa em demasia a mesma. De qualquer modo no final podem ficar o tempo que quiserem para apreciar o que mais interessar.

Seguimos então para uma outra mesquita, a Mehmet Pasha:





Terminamos a nossa visita desta margem passando pelo Hamam da cidade (em mau estado geral e apesar da presença de andaimes e algum material de construção, parecia abandonado e condenado a ser "engolido" pelo matagal que crescia em seu redor), pelo cinema ao ar livre, pela torre do relógio e por mais uma igreja ortodoxa, a "Igreja da Nossa Senhora de Ljevis" que data do século 14, foi convertida em mesquita pelos otomanos e reconvertida no século XX.



Por esta altura o sol era já mais brando e iniciamos então a subida em direcção ao castelo da cidade, de onde se tem uma magnífica vista não só sobre a cidade mas também das montanhas que a rodeiam.





Neste percurso, são visíveis as ruínas do bairro sérvio da cidade - destruído durante e após a guerra - bem como o que resta da Igreja Ortodoxa do Santo Salvador, que foi destruída em 2004. Isto num "país" que se auto-intitula de "multicultural" e "tolerante".





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